
Estudos conduzidos por pesquisadores da UFSCar desenvolvem variedades transgênicas de cana capazes de resistir ao inseto que causa prejuízos crescentes ao setor sucroenergético
Após décadas de tentativas de controle químico e biológico com resultados limitados, a transgenia surge como uma alternativa promissora no enfrentamento ao Sphenophorus levis, popularmente conhecido como bicudo-da-cana, que compromete lavouras em todo o país. Conduzidas pelo professor Flávio Henrique Silva, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), pesquisas vêm demonstrando que plantas geneticamente modificadas podem expressar moléculas capazes de interferir no metabolismo do inseto, reduzindo significativamente seus danos e abrindo novas perspectivas para o manejo dessa praga de difícil controle.
Entrevistador
Por que estudar os Sphenophorus? Por que o enfrentamento dessa praga é tão desafiador para a ciência?
Flávio Henrique Silva
Desde que o Sphenophorus foi descrito — principalmente aqui no Estado de São Paulo, ao final da década de 1970 —, sua participação como praga na cultura da cana-de-açúcar tem aumentado a cada ano.
A cana-de-açúcar tem um papel fundamental na economia paulista e brasileira, e essa praga causa prejuízos muito grandes. O seu controle é bastante complicado, muito difícil. Ainda não há um método de controle efetivo para uma praga que cresce anualmente.
Por isso, o nosso interesse é desenvolver metodologias que possam ser eficientes no controle dessa praga.
Entrevistador
E por que o senhor decidiu trabalhar com a transgenia como uma forma de conduzir as pesquisas de combate a essa praga?
Flávio Henrique Silva
Porque, considerando que as outras formas de controle não são completamente eficientes — e hoje há várias tentativas nesse sentido —, pensamos na transgenia como uma forma adicional de controle. A ideia é desenvolver plantas mais resistentes ao inseto, algo potencialmente mais poderoso do que as abordagens utilizadas atualmente, que ainda não se mostram plenamente eficazes no combate à praga.
Entrevistador
Então, o seu trabalho vai na direção da produção de variedades, e não do manejo, necessariamente?
Flávio Henrique Silva
Sim. Trabalhamos na produção de plantas que produzam algo diferente do que já produziam e que possam interferir no desenvolvimento do inseto. E isso não se aplica apenas aos Sphenophorus, mas também a outros insetos. A ideia é que essa estratégia possa ser extrapolada para o controle de outras pragas já conhecidas da cana-de-açúcar.
Entrevistador
O senhor mencionou que a transgenia é um método adicional dentro da pesquisa que conduz. Quais são as grandes dificuldades dos métodos tradicionais que vinham sendo utilizados até então?
Flávio Henrique Silva
Um dos principais problemas é o próprio comportamento do inseto. Ele tem um comportamento subterrâneo, o que dificulta o acesso e a identificação do ataque à cultura.
Isso também vale para outras pragas, mas no caso dos Sphenophorus isso é particularmente evidente: é muito difícil localizar o inseto, e, quando isso acontece, a cultura já foi atacada e o prejuízo já está instalado. Além disso, algumas abordagens que funcionam para outras pragas não são eficientes para os Sphenophorus.
Entrevistador
Há quanto tempo o senhor trabalha especificamente com essa praga?
Flávio Henrique Silva
Trabalhamos com ela desde o início do Projeto Genoma da Cana, realizado com o incentivo da FAPESP, no ano 2000.
Esse projeto visava ao sequenciamento de genes expressos da cana-de-açúcar. Na época, nosso grupo fazia parte do consórcio responsável por esse sequenciamento.
Decidimos não apenas trabalhar com o sequenciamento, que obviamente tem grande importância, mas também avançar para a parte funcional, identificando genes que pudessem contribuir para a resistência da cana — no nosso caso, especificamente, aos Sphenophorus.
Entrevistador
O que o senhor considera, ao longo desses 25 anos, como suas principais contribuições para a cultura da cana-de-açúcar? E o que a ciência ainda pode avançar nesse campo?
Flávio Henrique Silva
Bem, nós conseguimos, em laboratório, realizar uma prova de conceito mostrando que a superexpressão de inibidores de cisteína-protease — uma classe específica de enzimas digestivas de coleópteros, besouros como os Sphenophorus — é viável e eficiente.
Desenvolvemos canas transgênicas superexpressando esses inibidores, e essas plantas mostraram-se mais resistentes ao inseto.
Mais recentemente, realizamos outra abordagem: a utilização de RNA de interferência. Desenvolvemos plantas transgênicas de cana que expressam um RNA que não é da planta, mas do inseto. Esse RNA atua silenciando o RNA correspondente no inseto, por meio do silenciamento gênico.
Dessa forma, quando o inseto se alimenta da planta, o gene-alvo — escolhido cuidadosamente por ter importância no metabolismo do inseto — é silenciado, o que prejudica o seu desenvolvimento e favorece o controle da praga na plantação.
Entrevistador
O que pode dizer sobre a distância entre a produção científica e a transferência desse conhecimento para a sociedade e o setor produtivo? Qual é a velocidade desse processo e qual seria a ideal?
Flávio Henrique Silva
Esse, para mim, é um dos grandes problemas que a ciência e o setor produtivo enfrentam.
O Brasil carece de um contato mais estreito entre o setor produtivo e as universidades — que, em geral, são os espaços onde a ciência é produzida.
Essa distância precisa ser encurtada para que as necessidades do setor produtivo sejam abordadas pela academia, e para que a academia consiga colocar em prática tudo aquilo que produz.
Esse é o grande desafio: reduzir o tempo entre a geração dos resultados na universidade e sua aplicação efetiva, tornando o processo mais rápido e eficiente.


