
Abel Galon Torres detalha como a ciência tem avançado na identificação do agente causal e nas estratégias de manejo da doença que preocupa o setor sucroenergético
A síndrome da murcha da cana-de-açúcar tem se consolidado como um dos principais desafios fitossanitários enfrentados pelo setor sucroenergético brasileiro. Identificada há poucos anos, a doença provoca perdas de produtividade, sobretudo em anos de estiagem, e já se espalha por diversas regiões produtoras do país.
Com foco em compreender e mitigar o problema, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) lidera uma série de pesquisas voltadas à elucidação do agente causal, ao desenvolvimento de variedades mais resistentes e à definição de práticas de manejo eficientes. Em entrevista, o consultor em fitopatologia Abel Galon Torres explica os impactos da doença, o papel da pesquisa científica e os próximos passos na busca por soluções sustentáveis.
Entrevistador:
Como o CTC tem acompanhado a evolução da síndrome da murcha nos canaviais do país?
Abel Galon Torres:
Nos últimos anos, acompanhamos a evolução da doença em diferentes regiões do Centro-Sul, desde o início até o fim da safra. Realizamos levantamentos em campo para verificar em que nível a síndrome está ocorrendo e confirmar se os sintomas observados correspondem de fato à doença, já que podem ser confundidos com outras enfermidades ou até com danos causados por pragas. Esse monitoramento é fundamental e tem sido feito em parceria com as usinas, para obtermos um panorama preciso da situação.
Entrevistador:
É possível estimar o impacto da síndrome da murcha na produtividade e na indústria?
Abel Galon Torres:
As perdas de produtividade são evidentes e variam conforme o período da safra. À medida que a colheita avança, especialmente do meio para o final da safra, o dano tende a ser mais expressivo, pois a cana passa por um período prolongado de estresse. Em alguns levantamentos, estima-se que para cada 1% de cana afetada, a perda pode chegar a cerca de 0,5 tonelada por hectare.
Além da redução na produtividade agrícola, há também impactos industriais. A matéria-prima oriunda de áreas afetadas apresenta maior dificuldade de clarificação do caldo, maior contaminação e problemas na fermentação, o que eleva os custos de processamento e reduz a eficiência das usinas.
Entrevistador:
Há doenças ou pragas anteriores que apresentaram impacto semelhante e exigiram esforço científico comparável?
Abel Galon Torres:
Podemos traçar paralelos com dois momentos marcantes da história da canavicultura brasileira. Cito, primeiramente, o “amarelinho”, uma virose que afetou fortemente os canaviais nas décadas passadas e levou anos de pesquisa até ser elucidada. Mais recentemente tivemos o caso da ferrugem alaranjada, detectada pela primeira vez no Brasil em 2009. Essa doença provocou grandes mudanças no setor, levando à substituição de variedades amplamente cultivadas, 3280 e a CTC15, que praticamente deixaram de ser utilizadas. A resposta foi rápida: o setor se adaptou, desenvolveu novas variedades e aprendeu a conviver com o problema.
Entrevistador:
Qual tem sido a atuação do CTC no enfrentamento à síndrome da murcha e quais estratégias estão em desenvolvimento?
Abel Galon Torres:
Nos últimos anos, a gente tem se dedicado a elucidar as causas da síndrome da murcha, buscando compreender o agente causal e definir as melhores estratégias de mitigação. Em 2024, criamos um fórum científico que reúne pesquisadores e professores de diversas instituições, como a Esalq/USP, a Unesp Jaboticabal, o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Universidade Federal de Lavras e a Universidade Federal de Viçosa. O grupo discute caminhos e propõe soluções conjuntas para o enfrentamento da doença.
Com essa colaboração, conseguimos avançar significativamente na identificação do agente causal, confirmando os resultados por meio do cumprimento do postulado de Koch — etapa essencial para comprovar a relação entre o patógeno e os sintomas observados. Também realizamos análises metagenômicas, metodologia moderna que confirmou os mesmos resultados obtidos pelo postulado, consolidando o entendimento sobre a causa da síndrome.
Agora, com essa etapa concluída, estamos desenvolvendo ferramentas práticas para o campo. A primeira é a criação de uma escala de resistência entre as variedades, classificando-as como tolerantes, intermediárias ou suscetíveis à doença. Em paralelo, estamos validando materiais genéticos e parentais de elite utilizados em programas de melhoramento, com o objetivo de identificar genes de resistência e incorporá-los em novas variedades.
O CTC conta com um dos maiores bancos de germoplasma de cana-de-açúcar do mundo, o que nos permite buscar fontes de resistência genética de forma ampla e precisa. Além disso, investigamos medidas de manejo — culturais, químicas e biológicas — que possam reduzir a incidência da síndrome e contribuir para maior estabilidade produtiva.
Entrevistador:
De que forma as mudanças climáticas influenciam o comportamento da síndrome da murcha e do manejo?
Abel Galon Torres:
Ainda é um campo em investigação, mas sabemos que a irregularidade nas chuvas e o aumento das temperaturas criam condições mais favoráveis ao avanço da doença. Em anos com estiagens prolongadas, os sintomas tendem a se agravar. O produtor precisa estar preparado, adotando boas práticas de manejo, uso de mudas sadias e preparo adequado do solo — medidas essenciais para fortalecer o canavial diante de condições climáticas adversas. Paralelamente, seguimos testando produtos biológicos e químicos que possam ajudar a reduzir a severidade da doença e mitigar seus impactos.


